Caetano, Gil e os outros na "salada" do tropicalismo

Filme de Marcelo Machado, disponível em Portugal, recupera imagens raras e entrevistas novas dos protagonistas do movimento brasileiro.
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O filme começa pelo fim. O filme começa com Caetano Veloso e Gilberto Gil no programa Zip Zip, da RTP, a 4 de agosto de 1969. Carlos Cruz e Raul Solnado entrevistam os músicos brasileiros, expulsos do seu país pela ditadura militar, a caminho de Londres. E Caetano admite que "o tropicalismo não existe mais como movimento". Mais adiante ouvimo-lo a explicar como com o tropicalismo "aconteceu tudo muito rápido" - em dezembro de 1967, estava ele a gravar o disco em que tocava Tropicália e um ano depois, a 27 de dezembro de 1968, foi detido juntamente com Gil.

Mas Tropicália, o documentário de Marcelo Machado, não se detém apenas nesse ano. Para se perceber exatamente o que foi o movimento do tropicalismo na música brasileira é preciso ir mais atrás e é preciso olhar para além da música. Tem de se ir ouvir Nara Leão, e depois Maria Bethânia, a cantar Carcará no espetáculo Opinião, de Augusto Boal, com o Teatro Arena, já em 1964. Ou ver Terra em Transe, do cineasta Glauber Rocha, de 1967. Ou ter a experiência do teatro de José Celso que, também nesse ano, pôs em cena O Rei da Vela, de Oswald de Andrade (o mesmo que, em 1928, escreveu o Manifesto Antropofágico, que tanto inspirou os tropicalistas). Ou ainda penetrar na instalação Tropicália, de Hélio Oiticica, também de 67. Ou ver os programas que passavam na televisão brasileira por esta altura, de Roberto Carlos a Chacrinha.

Foi a este caldo que Caetano e Gil foram beber para fazerem as músicas que apresentaram no festival da canção de outubro de 1967, Alegria, Alegria e Domingo no Parque, por entre vaias e aplausos, numa altura em que havia passeatas contra "as guitarras elétricas" e a televisão se assumia como grande meio de massas. E a política no meio disto tudo, claro. "É proibido proibir", gritava Caetano nos seus shows. Porque era isto mesmo que eles queriam: juntar os beatles com a música nordestina, não temer o imperialismo americano nem fazer vénia à ditadura. Falar sem censura. Utilizando as palavras de Caetano Veloso no filme, o tropicalismo "era a tal salada", mistura das misturas. Ou, como também explica o escritor Rogério Duarte, aqui entrevistado, uma das maravilhas do movimento era o facto de estar "entre o malandro e o erudito, entre o baiano e o carioca, entre o europeu e o africano, é a música de uma síntese entre ideias totalmente contraditórias".

Com entrevistas ainda a Tom Zé e Sérgio e Arnaldo Dias Baptista (dos Mutantes), e recordando muitos dos que estiveram envolvidos no tropicalismo, de Gal Costa a Rogério Duprat, Rita Lee, José Carlos Capinam, Jorge Benjor, Jorge Mautner ou Torquato Neto, Tropicália passa pelas músicas essenciais do movimento, detém-se no Ato Institucional n.º 5 que levou ao aumento da repressão no Brasil, e acompanha Caetano e Gil no exílio londrino, terminando com um momento de rara beleza, com estes dois músicos no presente emocionando-se com as imagens captadas pelo cineasta Leon Hirzsman aquando do seu regresso ao Brasil, em 1972. E cantando todos Back in Bahía.

Tropicália tem um modelo de distribuição diferente: está em exibição há umasemana no Cinema City Alvalade (em Lisboa) e nos videoclubes das televisões nacionais e está a partir de agora também à venda em DVD. Neste filme de 2012, o realizador brasileiro Marcelo Machado, que tem um percurso que passa pela ficção,o documentário, a publicidade, os videoclipes e o vídeo experimental, alia diferentes linguagens, utilizando imagens raras e trabalhando fotografias da época, numa montagem que, embora nem sempre seja muito clara para um espectador que não esteja dentro do assunto, se adequa na perfeição ao tema. A supervisão musical é de Alexandre Kassin.

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